sábado, 26 de abril de 2014

Estatuto do Idoso (Brasileiro) numa resenha narrativa. Edna Domenica Merola

Após seu título, deve constar numa resenha: a referência bibliográfica da obra, alguns dados biográficos do autor da obra resenhada, o resumo, ou síntese do conteúdo, a avaliação crítica: apontando os aspectos positivos e negativos.
Como referência bibliográfica da Lei 10741/2003 consultada: livreto impresso pelo Conselho Estadual do Idoso (Estado de Santa Catarina), DIOESC, 2013.
O texto da obra é assinado pelo Presidente da República à época em que a Lei foi promulgada, por tratar-se de legislação Federal. O Presidente, como chefe do Executivo não é obviamente autor de leis, mas, infelizmente, o texto não foi precedido de consulta popular, sendo de responsabilidade do Poder Legislativo.
Um estatuto é um documento legal: “uma disposição oficial com que se explica e se regula a execução de uma lei ou decreto”; "regulamento". (in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa http://www.priberam.pt/dlpo/regulamento). 
Explanar sobre um estatuto implica em situá-lo em legislações ‘maiores’. A Constituição Federal (1988) trouxe a legalização de mudanças fundamentais da família brasileira, entretanto a mudança do Código Civil só aconteceu em 2002, entrando em vigor em 2003. Ora, o Código Civil agrupa de forma sistemática as normas concernentes às relações jurídicas de ordem privada, inclusive das obrigações e direitos decorrentes das relações familiares.
O Estatuto do Idoso (2003) também refere às obrigações decorrentes das relações familiares. O Estatuto também é tardio, ou seja, entrou em vigor 15 anos após a última Constituição Brasileira (1988).
A Lei 10741/2003 é a normatização específica sobre as garantias de “opinião e expressão” das pessoas com sessenta anos ou mais; do “respeito” “por um envelhecimento saudável” com “todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”. Portanto, o texto a ser resenhado pertence à área da jurisprudência.
Uma resenha é um texto de informação e de opinião, portanto, dissertativo. Por ser um resumo crítico, exige que o resenhista seja um especialista, uma vez que avalia a obra, julgando-a criticamente. No entanto, não sou sequer bacharel nessa área de saber tão específico e profundo. Insistirei que além de leiga, encaixo-me na faixa etária a que alude o documento legal o que acarreta mais um viés de leitura no sentido de confundir texto legal com implementação das políticas enunciadas.
Os riscos dos vieses aludidos estimularam a imaginação e a criação de uma hilária escolha metodológica tal como a de analisar a referida lei ou estatuto do idoso farejando-o, isto é pondo em uso o ancestral instinto de quem exercita a sobrevivência, a princípio, pela caça. Essa metodologia de análise ‘primitiva e ancestral’ por um lado, é ‘inusitada ou nova’ por outro, no campo acadêmico. A defesa dessa escolha propõe que seria exaustivo um minucioso exame analítico pautado nos saberes da jurisprudência.
Utilizando tal metodologia de interpretação de texto, abandona-se a escrita dissertativa e acata-se a narrativa. Faz-se necessária a criação de personagem verossímil, ainda que não verdadeiro. Em defesa do adotado, pleiteia-se que Jung descreveu quatro funções psicológicas fundamentais: sensação, pensamento, sentimento e intuição. E uma dessas prepondera num indivíduo com apoio de outra. 
Construir-se-á aqui uma personagem intuitiva. Personagens fortemente intuitivos dão significado às suas percepções com tamanha rapidez que, via de regra, não conseguem separar suas interpretações conscientes dos dados sensoriais brutos obtidos. Os intuitivos processam informação muito depressa e relacionam, de forma automática, a experiência passada com as informações relevantes da experiência imediata. (GJ Ballone. Site http://www.psiqweb.med.br). 
A personagem inventada funciona prioritariamente pela Intuição, mas apoia-se, na função psicológica Sensação para narrar sua aventura como leitora do texto. Essa personagem leitora irá fuçar na Lei número 10741/2003. A leitora farejará algumas palavras do texto Estatuto do Idoso guiada pelos próprios apetites e gostos. 
A primeira lata eleita para ser farejada: o capítulo V do título II (Direitos Fundamentais). Essa lata foi virada para degustar o texto legal sobre os direitos à Educação e Cultura: alimentos preferidos da personagem farejadora que toca o universo vocabular que refere a cursos para idosos: “técnicas de comunicação”, “computação”, “avanços tecnológicos”. Já sobre os currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal (destinados, portanto, a não idosos): “eliminar preconceito”, “produzir conhecimento”. Já sobre os meios de comunicação: “manterão espaços ou horários especiais” (como para as crianças?). 
Triste lata essa a do capítulo V do título II... O mundo que acontece de verdade (tanto tecnológico como a produção do conhecimento em geral) é dos adultos jovens. Para os maiores de 60 anos resta a participação como ‘memória’ da realidade passada em espaços pontuais como “comemorações de caráter cívico ou cultural”. 
A leitora farejadora resolveu voltar para o início do texto, pois deveria ter perdido o faro. Ah! O artigo 3º do parágrafo VII: “Estabelecimento de mecanismos que favoreçam a divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento.” Mas para quem já havia lido o que vem depois sabe-se que o público alvo a usufruir desses mecanismos de divulgação são as pessoas que cuidam dos idosos dependentes. Isso implica em garantia de direitos, mas omite ações voltadas para a melhoria da qualidade de vida do idoso em seu dia a dia. Ex.: mecanismos voltados para a autoestima, combate ao estresse e ação social legítima (e não como terapia ocupacional).
Ora, sabemos que educação é um processo que implica em mediações, demanda interferências frequentes, em espaços para refletir sobre a realidade atual e nela atuar.   E para aprender novas ciências não estritamente tecnológicas? O artigo 25 responde que – “O Poder Público apoiará a criação da universidade aberta para as pessoas idosas”–. Do que destaco o teor abstrato da expressão “Poder Público”, pois não se discrimina uma instância específica. Destaco ainda um verbo no futuro “apoiará”, sem nenhum advérbio ou expressão que descreva as circunstâncias (Quando? Onde?) nas quais se dará esse apoio futuro.
A personagem leitora do Estatuto do Idoso seguiu farejando (com o rabo entre as pernas) e não virou mais nenhuma lata... Mas usou o olfato aqui e ali... 
– A relação entre as gerações cheirava a porta de cadeia para uns e asilo para outros... – disse a personagem farejadora.
Era esse o odor que ela dizia exalar do texto que descrevia um idoso que, segundo ela, envelhece: precocemente, abandonado e pobre. Um estatuto que descreve um Estado que não se omite em matéria de vigiar ou punir para tentar prover comida, remédio e moradia para o idoso, mas que se omite quanto aos insumos para as pesquisas sobre a melhoria da qualidade de vida específicas da população idosa que cresce em contingente e em novas demandas. 
Ao final a personagem farejadora percebeu que o autor do ‘texto’ legal’ tinha um aroma verdejante: um cheiro elegante e sofisticado. Seu autor era eternamente jovem. A farejadora concluiu que, no universo do texto, idoso é o outro (e não seu autor no futuro). Isso cheirava desconfiança sobre o artigo 118 que dizia “Esta Lei” de “1º de outubro de 2003” “entra em vigor decorridos 90 (noventa) dias”. 
Ao término do trabalho de farejar executado pela personagem farejadora/leitora, a aluna do Curso Atenção à Saúde da Pessoa Idosa – Edna Domenica Merola – despediu-se dela. Constrangida por ter-lhe atribuído o trabalho pesado quis dar-lhe alguma recompensa: 
– Leve com você o artigo 116 “Serão incluídos nos censos demográficos dados relativos à população idosa do País.” 
– Obrigada! Mas... Para quê? – perguntou a personagem farejadora.  
– Pautando-nos nos dados dos censos demográficos faremos projeções e produziremos respostas para o futuro...

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